Desde a popularização do ChatGPT em 2023, muitos professores passaram a enfrentar um desafio inédito em sala de aula: como identificar trabalhos feitos por inteligência artificial. O professor Mark Massaro, que leciona Composição de Inglês na Florida Southwestern State College, compartilhou sua experiência sobre esse fenômeno que vem transformando o ensino superior nos Estados Unidos — e não para melhor.
Com o avanço das ferramentas de IA generativa, muitos estudantes passaram a utilizá-las para produzir redações e trabalhos acadêmicos. Em uma de suas turmas, Massaro relata que, em média, cinco entre 25 alunos entregam textos com claros indícios de terem sido escritos por uma IA. E esse número tende a crescer.
O problema da detecção
Nos primeiros meses após o surgimento do ChatGPT, Massaro usava detectores automáticos de IA para checar os trabalhos entregues. Ele os submetia a vários analisadores e, se a maioria apontasse para um texto gerado por IA, ele aceitava o resultado. No entanto, essa prática foi posteriormente proibida pela instituição, pois enviar trabalhos de alunos a plataformas externas sem autorização foi considerado uma violação de privacidade.
Outro obstáculo: a falta de confiabilidade dessas ferramentas. Muitas vezes, detectores acusam falsos positivos, classificando como artificial um texto legítimo, ou deixam passar batido redações evidentemente produzidas por robôs. Diante disso, Massaro passou a confiar no seu próprio julgamento — e para isso, desenvolveu um checklist com os principais indícios de trapaça digital.
Os principais sinais de que um trabalho foi gerado por IA
A seguir, estão os sinais mais comuns que Massaro observa nos textos e que, segundo ele, são pistas evidentes de que se trata de um trabalho feito por inteligência artificial.
Uso excessivo de travessões
Um dos primeiros indícios está na pontuação. O professor explica que o ChatGPT e outras ferramentas similares usam com frequência travessões (em-dashes) — um estilo de pontuação que não é habitual entre estudantes. Para confirmar a suspeita, ele faz um teste simples: pede ao aluno que digite um travessão no computador. Em muitos casos, o estudante sequer sabe como fazer isso.
Falta de recuo nos parágrafos
Outro sinal claro é a ausência de recuos no início dos parágrafos. Quando o texto é copiado diretamente do ChatGPT ou de outros chatbots, normalmente ele vem formatado com blocos de texto contínuos, sem a indentação típica de uma redação formal. Isso já se tornou um indicativo bastante confiável para o professor.
Gramática perfeita, mas conteúdo superficial
Um dos maiores paradoxos do uso de IA para redigir textos está na sua impecabilidade gramatical. As frases estão bem estruturadas, há fluidez no texto e a ortografia é precisa. Porém, o conteúdo costuma ser raso e genérico. Segundo Massaro, esse tipo de redação apresenta uma uniformidade mecânica: parágrafos com tamanhos similares, ritmo repetitivo e uma linguagem acadêmica polida demais para ser compatível com o estilo de escrita do aluno.
Falta de histórico de rascunhos
Nas aulas de Composição, o professor realiza atividades em grupo, revisões entre pares e encontros individuais para acompanhar o processo de escrita. Quando um aluno apresenta um trabalho final, mas não participou de nenhuma dessas etapas, já é um motivo de desconfiança. Além disso, o uso de vocabulário sofisticado e fora do padrão do aluno também levanta suspeitas. Saltos abruptos de qualidade entre trabalhos anteriores e o texto atual são fáceis de notar.
Escrita impessoal
Massaro também propõe, eventualmente, redações reflexivas com base em experiências pessoais. Quando um estudante realmente escreve sobre, por exemplo, seu emprego em um posto de gasolina, o texto traz detalhes peculiares, vivências únicas e observações subjetivas. Por outro lado, um texto gerado por IA costuma tratar o tema de forma genérica e abstrata, como se falasse sobre amizade, perseverança ou empatia de maneira vaga, sem conexão com experiências reais.
Comando da tarefa deixado no texto
Pode parecer absurdo, mas alguns alunos se esquecem de apagar o próprio prompt usado no chatbot. Há casos em que o início do trabalho inclui frases como “escreva uma redação sobre os benefícios da leitura”. Isso denuncia claramente o uso da ferramenta e o descuido do estudante.
Citações falsas ou imprecisas
Um dos maiores problemas das redações produzidas por inteligência artificial está nas citações inventadas. A IA é conhecida por “alucinar” dados — ou seja, criar informações inexistentes. Em seus trabalhos, os alunos incluem referências bibliográficas que não constam nos textos reais ou citam autores e estudos fictícios. Isso obriga o professor a fazer uma verificação minuciosa, gastando horas conferindo livros, artigos e bancos de dados acadêmicos apenas para descobrir que a fonte citada não existe.
A reação dos alunos
Confrontar estudantes sobre o uso de IA é uma tarefa delicada. Alguns admitem prontamente, outros ignoram os e-mails do professor. Como muitos alunos são remotos, nem sempre há uma conversa presencial. Em contrapartida, quando o aluno realmente escreveu o texto, ele tende a reagir com indignação e apresentar justificativas — algo que Massaro considera um sinal de sinceridade.
O verdadeiro prejuízo: a perda da identidade intelectual
Para o professor, o maior problema não está apenas na trapaça em si, mas no que ela representa para o desenvolvimento pessoal dos alunos. A fase universitária deveria ser o momento em que cada um encontra sua própria voz, sua maneira de pensar e se expressar. No entanto, ao recorrer à inteligência artificial, os estudantes estão terceirizando esse processo.
Em vez de desenvolver habilidades de escrita, pensamento crítico e argumentação, eles apenas entregam o trabalho pronto, sem qualquer envolvimento criativo. Segundo Massaro, isso está empobrecendo o ambiente educacional e criando uma geração de estudantes que dependem da IA para pensar.
Caminhos possíveis para lidar com o problema
Diante desse cenário, algumas soluções estão sendo discutidas por educadores:
- Avaliações orais: substituindo parte das atividades escritas por apresentações ou debates.
- Processos de escrita supervisionados: com redações feitas em sala de aula, sob supervisão.
- Revisões em grupo: onde os alunos comentam e analisam os trabalhos uns dos outros.
- Estímulo à escrita pessoal: priorizando temas subjetivos, que dificultam o uso de IA.
Além disso, é necessário criar um ambiente de confiança e diálogo, onde o aluno compreenda a importância do aprendizado real. O combate ao uso indevido da IA não deve ser apenas punitivo, mas educativo.
O futuro da educação frente à inteligência artificial
A inteligência artificial já está integrada à realidade educacional e não há como ignorar isso. O desafio é encontrar formas de conciliar o uso da tecnologia com a integridade acadêmica. Ferramentas como o ChatGPT podem ser aliadas no processo de aprendizado, desde que utilizadas com responsabilidade e consciência.
Professores, instituições e alunos precisam caminhar juntos para redefinir o papel da escrita na era digital. Afinal, mais do que entregar uma redação, o importante é desenvolver pensamento crítico, criatividade e autenticidade — habilidades que nenhuma IA pode substituir verdadeiramente.
Com informações de Gizmodo.