A ficção científica brasileira está ganhando força e se destacando por sua capacidade única de entrelaçar elementos da cultura e da vivência nacional em narrativas futuristas e especulativas. Em um artigo publicado por Camilla Germano no Metrópoles em 25 de agosto de 2025, a autora explora como autores brasileiros, como Ian Fraser, Pedro Aguilera, Ale Santos e Flávio Izhaki, criam obras que transcendem as influências de Hollywood, incorporando referências do folclore, da religiosidade e das dinâmicas sociais do Brasil. Neste artigo, analisamos quatro livros destacados, discutimos o impacto da ficção científica brasileira e sua conexão com a leitura por prazer, além de explorar o futuro do gênero no país.
A Essência da Ficção Científica Brasileira
O que Define o Gênero?
Segundo o professor Danglei de Castro Pereira, da Universidade de Brasília (UnB), a ficção científica se caracteriza por narrativas que “tangenciam a realidade”, apresentando personagens, cenários e ideias que se distanciam da realidade imediata, mas mantêm traços dela. Essas histórias frequentemente exploram futuros especulativos, tecnologias avançadas ou cenários apocalípticos, refletindo os ideais e ansiedades de uma sociedade. No Brasil, o gênero se diferencia por incorporar elementos culturais únicos, como o sincretismo religioso, o folclore nordestino e questões sociais como desigualdade e racismo.
Por que o Brasil?
Embora a ficção científica seja frequentemente associada aos Estados Unidos, onde avanços como a bomba atômica e o computador impulsionaram o gênero no século XX, o Brasil tem uma tradição rica, ainda que menos reconhecida. Simplício Neto, professor da ESPM, explica que o investimento em ciência nos EUA alimentou um público ávido por ficção científica, mas no Brasil, autores têm usado a cultura local para criar narrativas igualmente poderosas. Essa abordagem desconstrói o imaginário “colonizado” do espaço, dominado por perspectivas anglófonas, e oferece uma visão brasileira única, como cangaceiros no espaço ou robôs com sotaque nordestino.
Livros que Ilustram o DNA Brasileiro
1. A Vida e as Mortes de Severino Olho de Dendê — Ian Fraser (Ed. Intrínseca)
Resumo: Ambientada em 2577, em uma galáxia distante, a história segue Severino Olho de Dendê, um investigador particular com um artefato tecnológico no lugar do olho esquerdo, que permite ver os últimos momentos de uma pessoa antes de morrer. A trama combina ficção científica com elementos da cultura nordestina, como cangaceiros espaciais, alienígenas que falam “oxente”, robôs carranca e capivaras geneticamente modificadas.
DNA Brasileiro: Ian Fraser destaca a intenção de desconstruir o imaginário espacial dominado por narrativas estrangeiras. A obra incorpora referências à MPB, fitinhas do Senhor do Bonfim, acarajé e o Festival Folclórico de Parintins, além de um projeto gráfico inspirado em cordéis e no movimento armorial. Essas escolhas criam uma narrativa profundamente enraizada na identidade brasileira.
Impacto: A combinação de ficção científica com folclore e humor regional torna a obra acessível e envolvente, ideal para leitores que buscam histórias que misturam inovação e tradição.
Disponibilidade: Disponível em livrarias como Amazon e Saraiva, em formatos físico e digital.
2. Ligeiramente Fora da Órbita — Pedro Aguilera (Ed. Rocco)
Resumo: A protagonista, Rebeca, é uma brasileira que sonha em ir para o espaço, inspirada por eventos como o ET de Varginha e a trajetória do primeiro astronauta brasileiro. Após falhar em processos seletivos, ela é chamada para analisar gravações da Terceira Estação Espacial Internacional, onde usa manobras políticas e manipulações psicológicas para se infiltrar na equipe de investigação.
DNA Brasileiro: Aguilera incorpora memórias culturais dos anos 1990, como a febre do ET de Varginha e referências ao astronauta Marcos Pontes, cuja trajetória pública é satirizada. A protagonista reflete a resiliência e a criatividade brasileiras ao enfrentar barreiras em um cenário futurista.
Impacto: A obra combina humor, crítica social e suspense, apelando para leitores que apreciam narrativas com protagonistas fortes e referências culturais familiares.
Disponibilidade: Encontrado em livrarias e plataformas digitais, como Kindle.
3. O Último Ancestral — Ale Santos (Ed. Harper Collins Brasil)
Resumo: Inspirada no afrofuturismo, a história se passa em Obambo, uma favela em um futuro distópico onde os Cygens (híbridos de homens e máquinas) segregam a população negra e proíbem magia e religiosidade. Eliah, um jovem ladrão de carros, descobre que carrega o espírito do Último Ancestral, uma entidade capaz de salvar seu povo.
DNA Brasileiro: Ale Santos mescla o cyberpunk com o sincretismo religioso brasileiro, explorando a ancestralidade e a espiritualidade afro-brasileira. A obra aborda questões de racismo, segregação e resistência, refletindo as desigualdades do Brasil contemporâneo.
Impacto: Como parte do movimento afrofuturista, o livro promove representatividade e oferece uma visão poderosa sobre identidade e luta social, conectando-se às discussões de diversidade mencionadas no artigo sobre leitura.
Disponibilidade: Disponível em livrarias e plataformas digitais, como Amazon.
4. Movimento 78 — Flávio Izhaki (Ed. Companhia das Letras)
Resumo: Ambientada no Brasil do final do século XXI, a história segue Seiji Kubo, que enfrenta dilemas éticos ao interagir com assessores de inteligência artificial em um governo baseado em equações matemáticas. A trama explora os riscos de uma sociedade governada por IA, com personagens e situações profundamente brasileiras.
DNA Brasileiro: Izhaki destaca as relações sociais e culturais do Brasil, como a desconfiança em sistemas rígidos e a complexidade das interações humanas. Embora trate de temas transnacionais, como tecnologia e meio ambiente, a narrativa é ancorada em uma perspectiva brasileira.
Impacto: A obra provoca reflexões sobre o impacto da IA, conectando-se ao artigo sobre a dependência digital, e oferece uma visão crítica sobre o futuro da governança.
Disponibilidade: Disponível em livrarias e formatos digitais, como Kindle.
A Conexão com a Leitura por Prazer
A ficção científica brasileira, como destacada por Camilla Germano, é um exemplo vibrante do poder da leitura por prazer, que está em declínio, conforme apontado no artigo sobre a queda de 40% nos EUA e a perda de 6,7 milhões de leitores no Brasil (Retratos da Leitura, 2025). Esses livros oferecem:
- Empatia e representatividade: O Último Ancestral reflete a luta de comunidades marginalizadas, promovendo conexão emocional.
- Pensamento crítico: Movimento 78 desafia o leitor a questionar os limites da tecnologia, uma habilidade essencial em um mundo digital.
- Criatividade: A Vida e as Mortes de Severino Olho de Dendê e Ligeiramente Fora da Órbita estimulam a imaginação com universos únicos e referências culturais.
Essas obras são perfeitas para contrabalançar a preferência por conteúdos digitais rápidos, incentivando a leitura prolongada e reflexiva.
O Futuro da Ficção Científica Brasileira
Evolução do Gênero
O professor Danglei de Castro Pereira observa que a ficção científica, inicialmente chamada de “auto fantasia” no século XIX, evoluiu para incorporar temas tecnológicos no século XX. Hoje, há discussões para renomear o gênero como “ficção especulativa”, refletindo sua capacidade de explorar não apenas ciência, mas também futuros possíveis e questões sociais. Subgêneros como o Cli-Fi (ficção climática), que aborda urgências ambientais, estão ganhando força, embora nem todos os especialistas o aceitem como uma categoria distinta.
Subgêneros Brasileiros
A ficção científica brasileira se destaca por subgêneros que refletem a identidade nacional:
- Afrofuturismo: Como em O Último Ancestral, combina tecnologia com a ancestralidade afro-brasileira, abordando racismo e espiritualidade.
- Cyberagreste: Mistura o sertão nordestino com elementos cyberpunk, como visto em obras de Laisa Ribeiro, com vaqueiras robóticas e cenários futuristas.
- Tupinipunk: Criado por Roberto de Sousa Causo, oferece uma visão satírica e crítica do cyberpunk, incorporando arquétipos brasileiros.
Esses movimentos, mencionados no artigo sobre a ascensão do cyberpunk brasileiro, mostram como os autores nacionais estão redefinindo o gênero, tornando-o um espelho das complexidades sociais do país.
Desafios e Oportunidades
Apesar de seu potencial, a ficção científica brasileira enfrenta desafios, como a predominância de obras estrangeiras e a falta de visibilidade, conforme discutido no artigo sobre leitura. No entanto, a internet e plataformas como Kindle e Wattpad têm democratizado a publicação, permitindo que novos autores alcancem leitores. Iniciativas como feiras literárias e clubes do livro, sugeridos no artigo sobre leitura, podem aumentar o interesse por essas obras.
Como Mergulhar na Ficção Científica Brasileira
- Comece com os livros destacados: A Vida e as Mortes de Severino Olho de Dendê é ideal para quem gosta de humor e folclore, enquanto O Último Ancestral atrai fãs de narrativas sociais.
- Explore plataformas digitais: Kindle e Amazon oferecem acesso a esses livros a preços acessíveis.
- Participe de comunidades: Grupos no X, como os que usam #FicçãoCientíficaBrasileira, ou eventos como a Odisseia de Literatura Fantástica, conectam leitores e autores.
- Leia os clássicos do gênero: Obras como Não Verás País Nenhum, de Ignácio de Loyola Brandão, ou O Doutor Benignus, de Augusto Emílio Zaluar, mostram a longa tradição da ficção científica no Brasil.
Conclusão: Um Gênero em Ascensão
A ficção científica brasileira, com seu “DNA” cultural, é um tesouro literário que combina inovação, identidade e crítica social. Livros como A Vida e as Mortes de Severino Olho de Dendê, Ligeiramente Fora da Órbita, O Último Ancestral e Movimento 78 mostram como autores nacionais estão redefinindo o gênero, trazendo cangaceiros espaciais, ancestralidade afro-brasileira e reflexões sobre tecnologia para o centro da narrativa. Em um momento em que a leitura por prazer está em declínio, essas obras são um convite para redescobrir o poder das histórias, estimular o pensamento crítico e celebrar a riqueza cultural do Brasil. Pegue um desses livros e embarque em uma jornada que é, ao mesmo tempo, futurista e profundamente brasileira.
Com informações de Metrópoles.