A inteligência artificial está cada vez mais presente no nosso dia a dia — no trabalho, nos estudos, na forma como buscamos informação e até como nos comunicamos. Mas, enquanto o debate público continua centrado no impacto da IA sobre o mercado de trabalho, novos estudos mostram que o verdadeiro risco pode ser muito mais profundo: a erosão silenciosa das nossas habilidades cognitivas mais fundamentais, como memória, pensamento crítico e criatividade.
A nova preocupação: não é só sobre perder empregos
Por muito tempo, discutiu-se como a IA e a automação substituiriam funções humanas, especialmente em trabalhos repetitivos. Mas a preocupação agora é outra: estamos nos tornando intelectualmente dependentes dessas ferramentas, perdendo o hábito — e a capacidade — de pensar por conta própria.
Segundo estudos recentes de instituições renomadas como o MIT Media Lab e a plataforma educacional Multiverse, o uso excessivo de ferramentas como o ChatGPT pode comprometer habilidades cognitivas essenciais, como:
- Retenção de memória
- Raciocínio analítico
- Criatividade
- Avaliação crítica
- Tomada de decisão ética
Estudo 1: O alerta da plataforma Multiverse
A Multiverse, uma plataforma britânica focada em aprendizado corporativo, publicou um relatório mostrando que as empresas estão investindo fortemente em IA, mas negligenciando o desenvolvimento humano. A consequência? Colaboradores que dominam prompts, mas não sabem interpretar os resultados.
❝ “As empresas pensam que é um problema de tecnologia, quando na verdade é um problema de pessoas e tecnologia.”
— Gary Eimerman, Chief Learning Officer, Multiverse ❞
Habilidades que fazem a diferença:
Segundo a pesquisa, os usuários mais eficientes da IA — os chamados “power users” — não são os que sabem apenas usar comandos, mas sim aqueles que dominam:
- Curiosidade e questionamento
- Verificação de informações
- Criatividade na resolução de problemas
- Inteligência emocional
- Ética e responsabilidade
Essas competências humanas são essenciais para garantir que a IA seja usada com sabedoria e não de forma cega.
Estudo 2: A experiência do MIT com ChatGPT
O MIT Media Lab conduziu uma pesquisa com 54 estudantes durante quatro meses. Eles foram divididos em três grupos:
- Grupo IA: utilizava o ChatGPT para realizar tarefas.
- Grupo Google: buscava informações por conta própria na internet.
- Grupo Memória: resolvia os desafios apenas com base em seus próprios conhecimentos.
Resultados surpreendentes:
- O grupo que usou o ChatGPT teve menor retenção de informações, menor atividade cerebral e piores resultados gerais.
- O grupo que usou o Google teve desempenho melhor, mas ainda inferior ao grupo que não usou tecnologia.
- O grupo que confiou apenas no próprio cérebro superou todos os demais, mostrando mais originalidade, profundidade e engajamento mental.
❝ “Os usuários da IA tiveram desempenho inferior em todos os níveis: neural, linguístico e de pontuação.” — Estudo do MIT ❞
IA como copiloto: ainda precisamos do piloto
Um dos maiores erros da atual onda de uso da IA é tratá-la como substituta da inteligência humana, quando na verdade ela deve ser vista como uma ferramenta de apoio. O perigo está em inverter essa relação, deixando o usuário de lado enquanto a IA toma o controle.
Da autonomia ao piloto automático:
Com a conveniência das respostas rápidas e bem escritas da IA, muitos usuários deixam de refletir sobre o que estão lendo. O risco é que, com o tempo:
- Deixamos de avaliar criticamente o que a IA nos entrega.
- Confiamos demais nas respostas, mesmo quando estão erradas ou incompletas.
- Perdemos a habilidade de raciocinar de forma independente.
O custo invisível da conveniência
O estudo do MIT destaca um aspecto preocupante: a passividade mental. Quanto mais usamos IA para pensar por nós, menos praticamos o ato de pensar, o que compromete a neuroplasticidade — a capacidade do cérebro de se adaptar, aprender e evoluir.
O cérebro precisa de treino:
Assim como músculos se atrofiam sem uso, habilidades cognitivas também enfraquecem quando não são exercitadas. Usar IA como bengala para toda e qualquer tarefa mental pode estar nos tornando, lentamente, menos criativos, menos críticos e mais conformistas.
O paradoxo da era da informação
Vivemos em um momento histórico em que temos mais acesso à informação do que nunca — e, paradoxalmente, estamos nos tornando menos informados e menos reflexivos.
Por quê?
- Excesso de conteúdo: que gera dispersão e sobrecarga mental.
- Dependência de resumos e respostas prontas: que evitam o esforço do pensamento.
- Falta de tempo e paciência para reflexão profunda.
A IA nos fornece respostas, mas não nos ensina a fazer as perguntas certas — e essa é uma das maiores habilidades humanas que correm risco de extinção.
Como preservar nossas capacidades humanas em meio à revolução da IA
A boa notícia é que esse processo não é irreversível. Mas é necessário agir conscientemente para manter e fortalecer as capacidades humanas enquanto usamos IA de forma estratégica.
Práticas recomendadas:
- Desconfie das respostas prontas: Sempre questione e valide o que a IA diz.
- Exercite o pensamento crítico diariamente: leia, escreva, discuta ideias sem depender de atalhos.
- Use a IA como ferramenta, não como cérebro substituto.
- Fortaleça habilidades humanas complementares: como empatia, julgamento ético, criatividade e comunicação.
- Estimule ambientes de aprendizado humano: dentro e fora do trabalho.
Empresas também precisam mudar sua mentalidade
Organizações que focam apenas na adoção de IA correm o risco de criar colaboradores tecnicamente eficientes, mas cognitivamente frágeis. O ideal é integrar o desenvolvimento humano à transformação digital, investindo simultaneamente em:
- Treinamentos de pensamento crítico
- Desenvolvimento emocional
- Iniciativas de aprendizagem ativa
- Criação de culturas organizacionais mais questionadoras e menos automatizadas
Conclusão: o futuro exige mais do humano, não menos
A inteligência artificial está aqui para ficar — e isso é, em muitos aspectos, uma ótima notícia. Mas o verdadeiro diferencial no futuro será a capacidade humana de interpretar, questionar, decidir e criar.
Se perdermos isso, a IA não terá nos superado. Teremos nos rendido.
Com informações de ET Online.