O consumo de recursos naturais pelas tecnologias digitais é um tema que, até pouco tempo atrás, passava despercebido pela maioria das pessoas. No entanto, o avanço acelerado da inteligência artificial (IA), como exemplificado pelo consumo de água pelo ChatGPT, e a expansão dos data centers pelo Brasil e pelo mundo vêm acendendo alertas entre cientistas, ambientalistas e autoridades.
O termo “consumo de água pelo ChatGPT” tem ganhado destaque, não apenas como curiosidade tecnológica, mas como símbolo de uma discussão mais ampla: o impacto ambiental da infraestrutura que mantém viva a internet e os serviços de IA.
Neste artigo, vamos explorar como funciona esse consumo, quais são as estimativas reais, o papel dos data centers, a situação brasileira e as possíveis soluções para reduzir a pegada hídrica e energética dessa indústria em crescimento.
O que são data centers e por que eles consomem tanta água e energia
Data centers são instalações que armazenam, processam e distribuem dados pela internet. Desde o streaming de filmes e séries até apostas online e redes sociais, tudo o que fazemos no ambiente digital passa por essas “fábricas de informação”.
Visualmente, um data center se parece com um grande galpão repleto de armários metálicos contendo pilhas de servidores. Esses equipamentos funcionam 24 horas por dia e exigem altíssima potência elétrica para operar e, principalmente, para evitar o superaquecimento.
A refrigeração é, portanto, um ponto crucial. Ela garante que os chips e demais componentes eletrônicos funcionem dentro de parâmetros seguros, evitando falhas e danos permanentes. Essa necessidade contínua de resfriamento é o principal motivo pelo qual os data centers são grandes consumidores de água e energia.
Crescimento acelerado no Brasil
Nos últimos anos, o Brasil viu um boom na instalação de data centers. Segundo estimativas da Associação Brasileira de Data Centers, existem atualmente cerca de 162 unidades espalhadas pelo país, com capacidade instalada entre 750 MW e 800 MW.
Para ter uma ideia, esse consumo equivale ao de uma cidade de dois milhões de habitantes.
E a projeção é ainda mais ambiciosa: com a popularização da inteligência artificial, espera-se que a demanda aumente mais de 20 vezes até 2038. Dados do Ministério de Minas e Energia indicam que a necessidade de energia para data centers no Brasil poderá chegar a 17.716 MW — algo próximo ao consumo de uma cidade com 43 milhões de habitantes, quase quatro vezes a população de São Paulo.
Megaempreendimentos no horizonte
Entre os projetos em andamento, destaca-se um mega data center planejado para a região do porto do Pecém, no Ceará. Orçado em R$ 50 bilhões e com capacidade de 300 MW, o empreendimento deve começar a ser construído no segundo semestre de 2025, com previsão de operação em 2027.
A iniciativa tem despertado interesse de grandes empresas de tecnologia, incluindo rumores de envolvimento da ByteDance, dona do TikTok.
Segundo a Casa dos Ventos, responsável pelo projeto, o data center terá acesso exclusivo a energia gerada por parques eólicos e solares, além de utilizar um sistema de refrigeração de ciclo fechado, que reduz significativamente o consumo direto de água.
Por que medir o consumo de água é tão difícil
Apesar da importância do tema, há uma grande barreira para entender o real impacto ambiental dos data centers: a falta de transparência.
Empresas de tecnologia raramente divulgam dados completos sobre:
- Capacidade operacional efetiva dos data centers.
- Percentual de servidores destinados ao treinamento de IA versus operação de chatbots.
- Localização exata das instalações usadas para determinados serviços.
Alex de Vries, economista e fundador do projeto Digiconomist, que há mais de uma década estuda impactos ambientais do setor digital, resume a situação: “Os data centers são caixas-pretas”.
Essa opacidade dificulta o cálculo preciso do consumo de água e energia. Cientistas acabam recorrendo a estimativas baseadas em dados indiretos, como o volume de chips vendidos por fornecedores, eficiência de refrigeração e padrões de operação presumidos.
O quanto o ChatGPT realmente ‘bebe’ de água
A pergunta que intriga muitos usuários é: quanto de água é gasto para que o ChatGPT responda uma simples pergunta?
As respostas variam:
- Sam Altman (CEO da OpenAI): cerca de 0,3 ml de água por consulta — equivalente a 1/15 de uma colher de chá.
- Universidade da Califórnia, Riverside: entre 10 a 50 consultas podem consumir 500 ml (uma garrafa de água).
- The Times (com base em nova análise da UC Riverside): até 2 litros para o mesmo volume de uso.
- Estudo no arXiv (2025): aproximadamente 0,5 litro para cada 20 a 50 respostas durante a inferência.
É importante lembrar que essas estimativas consideram apenas o uso cotidiano da IA, e não o treinamento dos modelos — que é muito mais intensivo.
O custo hídrico do treinamento de IA
Treinar um modelo como o GPT-3, por exemplo, teria consumido cerca de 700 mil litros de água. Isso equivale a manter 4 mil pessoas hidratadas por um ano inteiro, considerando a recomendação diária de 2 litros.
Além disso, data centers de 100 MW podem consumir até 2 milhões de litros de água por dia — o mesmo que 6.500 residências.
Como e onde a água é usada
O consumo de água em data centers acontece de duas formas:
- Direta — utilizada no sistema de refrigeração dos servidores.
- Indireta — associada à geração de energia elétrica, especialmente quando proveniente de hidrelétricas.
Existem dois principais métodos de resfriamento:
- Torres de resfriamento com evaporação: a água circula e evapora, precisando ser constantemente reposta.
- Sistemas de ciclo fechado: consomem menos água, pois a mesma circula repetidamente sem evaporação significativa.
O tipo de sistema, o clima da região e a eficiência energética do data center influenciam diretamente a pegada hídrica.
O lado B das energias renováveis
Embora energias eólica e solar sejam menos poluentes que combustíveis fósseis, também geram impactos ambientais.
- Eólica: barulho das turbinas pode causar distúrbios de sono e até problemas auditivos em comunidades próximas. Há registros de conflitos territoriais e impactos sobre ecossistemas locais.
- Solar: demanda água para limpeza dos painéis e, em alguns casos, uso de agrotóxicos para controlar a vegetação.
No Ceará, por exemplo, a construção de usinas eólicas chegou a bloquear acessos de comunidades e alterar corpos d’água usados para pesca, afetando diretamente a subsistência local.
Soluções e inovações no Brasil
Apesar dos desafios, há iniciativas que apontam para um futuro mais sustentável:
- Uso de biometano: Goiás discute a aplicação de biometano, subproduto de resíduos agrícolas como soja e milho, para alimentar data centers.
- Infraestrutura local otimizada: projetar data centers mais eficientes desde a construção, adaptados ao clima e recursos da região.
- Adoção de chips mais eficientes: como os Nvidia Blackwell B200, que prometem melhor desempenho com menor consumo energético relativo.
Estratégias para reduzir a pegada hídrica e energética
Empresas e governos podem adotar medidas para mitigar o impacto:
- Transparência de dados sobre consumo de água e energia.
- Adoção de refrigeração a ar em regiões frias.
- Reaproveitamento de água no resfriamento.
- Migração para fontes renováveis com baixa dependência hídrica.
- Políticas públicas de incentivo à eficiência energética.
Por que a discussão precisa incluir a água
Até agora, a maior parte do debate sobre sustentabilidade na tecnologia tem se concentrado nas emissões de carbono. No entanto, a pegada hídrica é igualmente relevante, especialmente em países que já enfrentam escassez de água.
Uma única consulta ao ChatGPT pode parecer insignificante, mas quando multiplicada por bilhões de interações diárias e somada ao custo de treinamento de modelos, revela um impacto que não pode ser ignorado.
Conclusão: pequenas gotas, grande mar de impacto
A inteligência artificial e os data centers que a sustentam são parte central do futuro digital. Porém, esse futuro vem com um custo ambiental que precisamos mensurar e administrar com responsabilidade.
O Brasil, com sua matriz energética relativamente limpa e potencial para inovações sustentáveis, pode se tornar referência mundial na construção de uma infraestrutura digital mais verde. Mas, para isso, será necessário investir em transparência, pesquisa e regulamentação que equilibre crescimento tecnológico e preservação ambiental.
Com informações de BBC.